
Um personagem como Javier Milei não nasce do acaso. É filho de um contexto. A débâcleeconômica da Argentina, do qual os indicadores inflacionários são apenas o aspecto tangível mais dramático, não pouparia sua classe política. Da direita à esquerda, essa última representada pelo peronismo carcomido, todos se revezaram no poder. Sem jamais encontrar soluções, estes aumentaram o tamanho do problema, que acabou se tornando sistêmico. A vitória de Milei representa, dentro dos limites da democracia, uma ruptura. Ele é um grito de rejeição ao status quo. “Que se vayan todos”, disse a maior parte dos eleitores, ignorando qualquer consequência possível.
O modelo implementado na Argentina, alias, é o mais trágico da história da América Latina. Economicamente pulsante no início do Século XX, o país hoje depende da esmola chinesa e de um acordo com o Fundo Monetário Internacional para ter acesso a uns poucos bilhões de dólares. O Peso, a moeda local, não passa de papel pintado a cumular zeros e maços de notas que se avolumam na medida em que o dinheiro perde valor. É esse o espírito social do país.
A realidade desafiadora da Argentina impõe um desafio político que vai muito além da retórica, das fantasias de super-herói e dos almanaques de colóquios libertários.
Caminhar pela Rua Florida, na ainda opulenta Buenos Aires, é um experimento social cada vez menos atrelado à gastronomia dos cafés requintados e mais pela popularização da atividade do câmbio informal. A cada passo se esbarra num cambista oferecendo conversões das mais variadas. Trocam pesos por Dólar, e até mesmo por Real. O argentino faz sua poupança em moeda estrangeira porque não confia no Peso, e muito menos no governo. Guarda o que pode literalmente debaixo do colchão. Sabe que o sistema bancário é só um meio para apropriação estatal do que lhe pertence, como comprovam inúmeros episódios históricos. Calcula-se que há 300 bilhões de dólares na Argentina fora do sistema financeiro.
Nos últimos anos, a crise do país se aprofundou na medida em que houve elevação das políticas públicas de subsídio, crescimento da dívida externa, fuga de capitais, manipulações estatísticas e desindustrialização. O quadro atual é descrito por economistas como de “dominância fiscal”, em que mesmo o trabalho do Banco Central é ineficaz ao tentar controlar a inflação. Isso porque ao usar o mecanismo dos juros como forma de impedir o aumento de preços, expande conjuntamente o valor da divida, o que espanta investidores, aumenta a percepção de risco, e, também, por elevar o gasto público, reatroalimenta a própria inflação.
“É a economia, estúpido!”. Nunca antes a frase do marqueteiro James Carville fez tanto sentido. Só quem não compreendeu isso foi Alberto Fernández e seu ministro da Fazenda, o agora derrotado Sergio Massa. O desastroso atual presidente teve o bom senso de não concorrer à reeleição, mas ele e seus aliados de esquerda acharam que seria boa ideia lançar como candidato governista o responsável pela pasta que legou ao país uma inflação anual de 143%.
É errado, primário e preguiçoso comparar Milei com Bolsonaro. São políticos de formações distintas, ainda que se possa identificar o histrionismo e a vulgaridade como denominadores comuns. O novo presidente argentino não é um militarista, muito menos parece adepto do moralismo de programa de auditório que seu colega brasileiro usa como estandarte. Bolsonaro, por exemplo, é muito mais estatizante. Milei se identifica com o “anarcocapitalismo” e com correntes econômicas que fariam de Paulo Guedes uma Maria da Conceição Tavares.
A construção do mito Milei nasce essencialmente da visão de um “messias do Mercado”. A realidade desafiadora do país, entretanto, impõe um desafio político que vai muito além da retórica, das fantasias de super-herói e dos almanaques de colóquios libertários. Se governar como um Paulo Kogos de costeletas, Milei agregará uma crise institucional a uma economia já em frangalhos, franqueando, desse modo, a volta dos peronistas ao poder na próxima eleição.
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