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Ministra do STF Cármen Lúcia
A ministra do STF Cármen Lúcia.| Foto: Nelson Jr./STF

Já há muito tempo um truque comum dos defensores da legalização do aborto, seja no Brasil, seja em outros países, é simplesmente evitar a palavra, especialmente nas nações onde a população é majoritariamente contrária à prática. Por isso, não é surpresa alguma que uma recém-publicada “Carta Aberta Brasil Mulheres”, cujas signatárias seriam “representativas de vários segmentos e setores da sociedade” – embora todos esses “segmentos e setores” estejam à esquerda e à extrema-esquerda do espectro político –, defenda claramente o direito ao aborto sem usar o termo uma única vez.

A expressão que mascara a defesa do aborto é “direitos sexuais e reprodutivos”, que começou a ser usada no contexto das conferências das Nações Unidas na década de 90 – especialmente a conferência sobre população, em 1994, no Egito; e a conferência sobre a mulher, em 1995, na China. De início, muita gente de boa vontade acabou iludida pelo palavreado, até porque o termo era vendido também como a defesa de direitos reais das mulheres, mas logo a farsa acabou desmascarada graças a defensores da vida atentos, que souberam ler nas entrelinhas e acompanharam os debates internacionais e seus desdobramentos. Hoje, praticamente ninguém familiarizado com a discussão sobre o aborto ignora o real significado do termo “direitos sexuais e reprodutivos”, mas ele continua sendo empregado na falta de disfarce melhor e porque ainda há uma parcela da sociedade que não percebeu o engodo.

No caso do aborto boa parte dos ministros do Supremo deixa de lado qualquer pudor

É no décimo dos 19 itens da carta que se defende a “manutenção e expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, pauta colocada ao lado da “promoção da saúde integral da mulher ao longo de todo o ciclo de vida, com especial atenção à mulher idosa” e da “valorização e defesa do SUS”, como se houvesse alguma equiparação moral possível entre a necessária atenção à saúde da mulher e um suposto direito de eliminar um ser humano indefeso e inocente ainda no ventre da mãe. Para que não fique nenhuma dúvida a respeito do que realmente se pretende neste documento, dirigido também aos candidatos nas eleições de outubro, basta perceber a quantidade de signatárias com histórico de defesa do aborto e ler o relato do jornal Folha de S.Paulo, segundo o qual uma das participantes da reunião teria dito que “a gente vive um momento no Brasil em que a gente não pode falar sobre o aborto, e isso é um grande problema. A gente precisa falar sobre os nossos direitos reprodutivos”.

Obviamente, a militante não está dizendo que há alguma censura em curso sobre o tema, mas apenas que deixar claras suas intenções é suicídio político em um país onde a maioria da população defende a vida por nascer, daí a necessidade de camuflar o discurso. Na verdade, podemos e devemos falar sobre o aborto, sobre o que ele realmente é – a eliminação, repetimos, de um ser humano indefeso e inocente –, sobre os riscos envolvidos, sobre as sequelas físicas e psicológicas que deixa. Tudo isso é convenientemente escondido por aqueles que propagam os tais “direitos sexuais e reprodutivos” – aparentemente, um direito que eles pretendem negar às mulheres é o de saber exatamente o que está em jogo quando se trata do aborto.

A carta aberta ainda chama a atenção pelo nome de uma de suas signatárias: a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. Apesar dos relatos de que ela teria deixado a reunião de elaboração do texto, ocorrida na casa da ex-ministra e ex-senadora Marta Suplicy, por discordâncias justamente sobre o tema do aborto, ela aparentemente não se incomodou com a redação final da carta a ponto de pedir que seu nome não fosse incluído.

Cármen Lúcia defendeu-se das críticas por ter assinado a carta afirmando que “no ofício, juiz não tem amigos, tem obrigações”. Pois uma de suas obrigações está no artigo 36 da Lei Orgânica da Magistratura, pelo qual o juiz não pode “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem”. E o Supremo tem pendentes de julgamento várias ações sobre a legalização do aborto, das quais a principal é a ADPF 442. Ao assinar uma carta que pede a “expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, e quando se sabe que a expressão nada mais é que uma camuflagem para a defesa do aborto, a ministra estaria deixando clara sua opinião sobre um tema que ela pode vir a julgar se a ADPF for levada a plenário.

Infelizmente, no caso do aborto boa parte dos ministros do Supremo deixa de lado qualquer pudor. Luís Roberto Barroso já “sequestrou” um julgamento sobre um habeas corpus para decidir que a proibição do aborto no primeiro trimestre de gestação seria inconstitucional, no que foi seguido por Edson FachineRosa Weber. Esta última, por sua vez, na relatoria da ADPF 442 promoveu audiências públicas completamente enviesadas, em que o número de palestrantes a favor da legalização era muito maior que o de vozes contrárias; além disso, muitos pró-vida convocados tinham alguma ligação religiosa, em uma tentativa da relatora de transformar o debate em uma controvérsia religiosa, quando o aborto é, fundamentalmente, uma discussão ética e científica. Regras processuais e o dever de imparcialidade, ao que parece, nada valem quando se trata de relativizar o mais importante dos direitos, o direito à vida.

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